terça-feira, março 26, 2013

Troca!

O sr. Ulrich insiste em justificar-se, o sr. Borges socorre o primeiro-ministro e o sr. Belmiro sugere a mão de obra paga aos preços da China. Tenho, por isso, uma sugestão: que esses senhores (e outros que defendem o mesmo e recebem como eles) nos dêem já o exemplo e comecem a receber salários de 475 euros. Pensando melhor: prefiro que troquem um dos vossos salários pelo meu subsídio de desemprego. Basta por um ano, que isso já me permitirá uma folga de vários anos.
Poderemos, assim, ver se o sr. Ulrich aguenta; ou se o sr. Belmiro passará a integrar o "carnaval mais ou menos permanente" das manifestações de protesto; ou se o sr. Borges decidirá de vez seguir o conselho do sr. primeiro-ministro e emigrar para onde lhe reconheçam valor e competência. Pelas minhas contas, se algum dos senhores quiser fazer a troca que proponho, não será difícil que aguentem viver. Como não faço grandes extravagâncias, tenho aguentado a vida familiar, mesmo se à custa de algum contorcionismo. Por isso, estou em crer que os senhores também aguentarão.
Quer o sr. Ulrich com o "seu" BPI que, a crer nos jornais, já precisou de 1500 milhões de euros do Estado - de todos nós, portanto. Quer o sr. Belmiro, que não precisará com certeza de comprar carne ou peixe no Continente. Quer o sr. Borges, que junta aos seus vários empregos o de consultor de um Governo pago com os nossos impostos.
Como gestores e economistas, devem estar mais habituados que eu a saber cortar despesas mesmo onde é preciso. Há uma coisa que não dará para aguentar, claro: a arrogância de quem vive de barriga cheia, achando que só eles é que trabalham e lutam pela vida. Já tínhamos percebido que grande parte da classe política vive em circuito fechado, sem conhecer a vida real das pessoas.
Agora, percebemos também que, para boa parte da classe empresarial, as pessoas são apenas factores de produção. Servem apenas para lhes dar dinheiro a ganhar, a eles que, eles sim, são cultos, dinâmicos e trabalhadores. Se preferirem, podem trocar antes o vosso salário com um sem-abrigo que receba ou não os trocos do "Rendimento Social de Inserção" (que não é social e não insere ninguém, ao contrário do que acontecia quando foi criado como Rendimento Mínimo Garantido). Desse modo, podem juntar ao baixo salário (uma experiência de contorcionismo) a experiência radical de ir à "sopa dos pobres" ou dormir com cartões à entrada de um prédio.
Caso nenhuma das sugestões dê jeito, podem propor que, em vez de trocar com um dos senhores, o façamos com um comentador desses que passam pelas televisões diariamente (alguns com vários empregos), a defender redução de salários, extinção de postos de trabalho, cortes na saúde e na educação a todo o custo, aumentos de impostos.
Nesse caso, insisto que estou disponível para a troca. Dou-lhes elementos para a decisão: receberei por meio ano um subsídio de desemprego pouco acima dos 780 euros, que eram, até há pouco, o valor do salário médio de cerca de 40 por cento dos trabalhadores. Depois, o subsídio será mais curto e obriga sempre quem o recebe a apresentar-se periodicamente, qual criminoso, às autoridades. A minha despesa inclui dois filhos em idade escolar (secundário e superior, que não sai barato, convenhamos); dois progenitores com problemas de saúde e despesa consequente (não demasiada, pelo menos para já); férias normalmente em Portugal e sem grandes aventuras (já fui uma dezena de vezes ao estrangeiro, admito); e não almoço nem janto fora de casa, senão por festa.
Imagino que os salários de qualquer destes três senhores, se aceitarem a troca, me permitirá aguentar a vida luxuosa que levo - tal como muitos portugueses. E ficando com o meu subsídio, estes senhores aguentam? Ai aguentam, aguentam.
António Marujo, no DN

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