sexta-feira, março 21, 2014

Ricardo Quaresma é outro Alfa Romeo

Qualquer amante do melhor programa de TV do mundo, o Top Gear da santíssima trindade, já percebeu a semi-metáfora do título. Segundo Clarkson, May e Hammond, os Alfa não são propriamente os carros mais fiáveis do mundo, mas são o coração da indústria automóvel; ao invés dos carros alemães, não têm alergia às oficinas, mas têm algo que os Mercedes e afins nunca conseguirão alcançar: uma beleza que não se explica, uma beleza que não serve para preencher nenhuma das alíneas quantificáveis, aceleração, travagem, manobrabilidade, uma beleza inútil e, por isso, desarmante. Apesar da boa reputação mecânica, nem toda a gente quer ter uma bomba teutónica. Apesar da má fama mecânica, toda a gente gostava de ter um Alfa Romeo. Alguns jogadores de futebol são assim. Aimar era assim.  Quaresma é assim.
É impossível não admirar a carreira de Ronaldo, mas o meu jogador português continua a ser Ricardo Quaresma. Se Ronaldo evoluiu para a dressage hiperprofissional, Quaresma permaneceu um mustang. O portista é o único que conserva aquele ar indómito do gajo que cresceu a jogar na rua, o ar à Chalana, a rebeldia à Paneira, a revienga à Futre. Quando enfrentam Ronaldo, os defesas sabem de antemão aquilo que ele vai fazer, não o conseguem parar porque ele é mais rápido e mais forte, como um Mercedes ou BMW a ultrapassar pequenos FIAT ou OPEL. Quaresma é diferente. Como não tem a potência mecânica de um Mercedes, ultrapassa os defesas com a beleza das suas linhas à Alfa Romeo. Os adversários não sabem de antemão aquilo que ele vai fazer, são ultrapassados pelo génio e não pela força. Às vezes, até fica a impressão de que os defesas ficam tão maravilhados com aquelas fintas à Garrincha que deixam passar Quaresma numa espécie de tributo estético ao jogo.
Não uso a palavra estético em vão. Para Quaresma, é uma maçada fazer um passe ou um cruzamento normal, porque não acrescentam beleza ao jogo. Ele só fica bem se fintar três gajos dentro da cabine telefónica. É por isso que a sua presença misteriosa electrifica as bancadas, quando ele toca na bola todo o estádio emite um zumbido, uma onomatopeia colectiva, um bzzzzz reverencial antes do boom orgástico que se solta depois da trivela ou do golo em arco, o arco mais perfeito do mundo. Estes golos são raros? Pois são, mas não se pode pintar a Capela Sistina em todos os jogos. Moral da história? Se Ronaldo não faz nada que não seja eficaz, Quaresma não faz nada que não seja belo. Duas escolas de pensamento que deviam coabitar na selecção.


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1 comentário:

Anónimo disse...

Eu concordo mas sou suspeito: tenho um Alfa Romeo.