terça-feira, fevereiro 06, 2007

O “Guarda-Nocturno” das consciências

O Ás ouviu “bruás” nos fantoches (o adjectivo é dele) do “SIM”. Eu também ouvi nos do “Não”, assim como um tom paternalista no mínimo evitável. Esses meninos e meninas, a julgar pelas gravatas e vestidos de marca que vestiam nunca tiveram de abortar num vão de escada, ou sozinhas ingerindo comprimidos. Foram a Badajoz, a Londres ou ao Porto, à Clínica do Dr. Dantas. É isto que querem manter.
Definitivamente, creio que o Ás não percebeu o que Vital Moreira afirmou. Senão não afirmava que não estão ainda definidas as condições de acompanhamento à mulher. Não estão nem podiam estar pois isso não é referendável. Se o “SIM” vencer, regulamentar-se-á a lei, definindo-se essas mesmas condições. Não vale a pena acenar com esse “bicho-papão” pois é a nossa Constituição que não nos permite incluir isso na pergunta a referendar. Isso vem depois.
É evidente que o Prof. Vital Moreira deu uma lição de direito a Aguiar-Branco que creio ainda hoje não ter percebido a diferença entre despenalizar e liberalizar (que tão bem o Prof explicou), entre feto e criança, entre aborto e homicídio. Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, um administrativista (não constitucionalista) e Jorge Miranda (esse sim um constitucionalista) em nada beliscam a opinião de Vital Moreira. Se, quanto a Marcelo, parece-me que anda ao sabor dos ventos políticos, e nunca percebi a sua opinião técnico-jurídica do problema, já o prof. Jorge Miranda o que diz é que esta alteração da lei é inconstitucional pois esta consagra a inviolabilidade da vida humana. Perdoe-me o prof. se o interpretei mal, mas o que me parece é que a actual lei já viola a constituição com base nesse mesmo argumento - não há vida humana num deficiente ou num filho nascido duma violação? Logo, altere-se a CRP se for caso disso.
De seguida, argumentarei o porquê de discordar de todos os argumentos do Ás, que, todavia, julgo bem intencionados:
1- O aborto como contraceptivo? Como pode alguém dizer uma coisa destas? Vamos aos números - Como sabe ele que antes de se ter despenalizado o aborto não se realizavam mais abortos ainda? O Eurostat tem dados do aborto clandestino? Certa vez disseram-me que a estatística era a arte de deturpar os números. A partir de hoje não tenho dúvidas.
2- O pai ter opinião. Esta ainda é mais estranha. Pode ter abandonado a mulher, pode não querer saber do filho, mas se o pai demandar, então ela qual serva aos mandos do seu amo, tem que ter o filho (mesmo que depois ele não o veja uma única vez!). A escravatura acabou.
3- O critério das 10, 8, 11 semanas não vou questionar. Não sou médico e tinha que se escolher uma data.
4- A mulher não decide não abortar por causa desta lei que as criminaliza. Vai é abortar na clandestinidade, naquele que é o verdadeiro aborto livre, pois é totalmente solitário e sem aconselhamento. Para além disso, e por isso afirmo que o Ás não ouviu Vital Moreira, será justo que os defensores do “Não” queiram impor uma consciência ética aos outros, beneficiando para isso da ajuda da máquina repressora do Estado? Ela não se impõe por si mesma?
5- A defesa dos mais fracos. Só aceito este argumento vindo daqueles que discordam da actual lei. Existirão seres mais vulneráveis que os deficientes? Porque podem esses estar desprotegidos?
De facto, não há igualdade de direitos entre a mãe e o feto. Nem podia haver, senão estávamos aqui a falar de homicídio ou infanticídio e não de aborto, puníamos a tentativa, etc…
6 e 7- A morte não é solução para nada; Os políticos deviam criar politicas que levassem as mulheres a não ter de abortar; Primeiro ponto, o “Não” não resolve o problema das mortes. Segundo ponto, o “Sim” não impede, pelo contrário facilita a criação dessas mesmas politicas, pois as pessoas passarão a dar a cara e a revelar as razões que as levam a abortar. Com a actual lei, continuamos a conjecturar acerca dos motivos…
Por ultimo, continuo a achar que não vivo no mesmo mundo do Ás. É que no mundo dele, as mulheres morrem por causa do aborto (como reconheceu) mas os fetos (não crianças) não! No meu, morrem ambos.
Deixo uma pérola para reflectirmos, dos dois maiores penalistas portugueses, Jorge Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, acerca da actual lei:
“Para além de funcionar como “guarda-nocturno” da consciência de alguns, acaba por redundar num indesejável desserviço aos valores fundamentais da própria vida humana”.

Duque de Espadas

3 comentários:

clubedasueca disse...

A seu tempo terei oportunidade de responder-te mas queria deixar o seguinte bem claro. Efectivamente não é possível referendar uma lei. Proponho que refiras onde disse isso, porque não o disse. No entanto, por detrás deste referendo existe um projecto-lei que prevê as condições de enquadramento caso o “sim” vença. Nesse mesmo projecto-lei não está prevista a questão do acompanhamento das mulheres. Desafio-te a ler o projecto-lei. Se este argumento que utilizaste foi devido a ignorância, compreendo-o. Caso contrário só posso interpretar como mais uma balda intelectualmente desonesta para lançar confusão, e isso não posso aceitar. Abç

Anónimo disse...

Aguardo ansiosamente a resposta.
Estás mais uma vez enganado. Ouvi uma vez mais num destes dias a deputada Ana Catarina Mendes, uma das responsáveis pela lei a elaborar caso o "sim" vença, afirmar peremptoriamente que será instituido um sistema de acompanhamento ás mulheres que pretendam abortar, de acordo e passo a citar "com as melhores práticas europeias".
Intelectualmente desonesto é fazer passar a ideia que assim não sucederá, o que seria único na Europa. Um pouco de sensatez, por favor. Se esse é o teu problema, então vota "Sim", à minha responsabilidade.
Um abraço

clubedasueca disse...

Em relação à questão de MRS ser ou não constitucionalista, não que a questão seja relevante para o assunto em discussão, mas somente por correcção, procurei informar-me junto de alguns colegas de profissão do duque, que me disseram não haver uma regra explicita para determinar o que é um constitucionalista e ou administrativista. Todavia, um critério foi sempre identificado como sendo válido que é o facto de ser um reconhecido docente de direito constitucional, e outro como sendo um jurista com pareceres jurídicos relevantes nessa área. Ora MST parece preencher esses requisitos. Para além disso, fiz uma pesquisa na net e verifiquei que em muitos casos o nome de MST vinha adjectivado de constitucionalista, não por mim, mas por órgãos de comunicação social e seus pares.