A IMPRENSA DO CORAÇÃO E OS OPORTUNISTASEste comentário não é uma resposta ao anterior. De facto já o tinha elaborado, apenas faltavam alguns retoques. Tendo sido um caso muito mediático e polémico, nunca neste blog foi abordado. Segue a minha opinião.
Julgo que este caso pode ser visto como um “case study” do poder da imprensa, dos limites ao (mau) jornalismo e da incapacidade do cidadão médio em filtrar o que é veiculado na comunicação social. Logo de inicio, o caso foi-nos apresentado como sendo a história duma criança renegada pelo pai e entregue pela mãe a um casal que a criou como uma verdadeira filha e que agora, cúmulo da imoralidade, corria o risco de a voltar a perder para o pai biológico que num assomo caprichoso resolveu resgatar a menina.
Acresce que a isto seguiu-se a heróica prisão preventiva do sargento Gomes, ou “pai de coração” – como logo ficou conhecido na imprensa - que resistia na prisão por amor à sua “filha”. Também não podiam faltar os “solidários de ocasião”, uns porque aparecem sempre que há um caso mediático e outros - os que me verdadeiramente me enojam – que aproveitam a exposição deste caso para publicitar o seu trabalho e angariar clientela como um tal de Fernando Alves, absolutamente desconhecido para o País e que surge como paladino da defesa dos “superiores interesses da criança”, e que sendo advogado e pior que isso, professor de direito numa universidade privada (como é isto possível?), intenta um “habeas corpus” para contra tudo o que é doutrina e jurisprudência neste País – unânime na sustentação de que só poderá lançar-se mão desta providência numa “ultima ratio”, isto é, esgotadas todas as hipóteses – pedir a libertação do sargento. Quando questionado acerca das opiniões de juristas famosos como o Prof. Costa Andrade, acerca da impossibilidade da medida nesta fase, respondeu com uma retórica muito própria: “É a opinião deles, não é a minha.” Escusado será dizer no que resultou o “habeas corpus”…
Passada toda a campanha de intoxicação da imprensa sedenta por um bom drama que alimentasse as parangonas e emocionasse o País, o que temos de verdadeiro, de factual?
Facto nº1 - A mãe da criança, sem condições para a criar, cedeu a sua filha, por documento particular, a um casal.
Facto nº2 – O casal nunca procedeu a qualquer das iniciativas obrigatórias por lei e que são do senso comum no sentido de regularizar a adopção da criança.
Facto nº3 – o pai biológico, só soube que a filha era realmente sua após ter realizado os testes de ADN, tendo de imediato intentado as medidas legais no sentido de lhe ser entregue a tutela do poder paternal.
Facto nº4 – O tribunal de 1ª instância, há alguns anos (perdoem-me a inexactidão), decidiu pela entrega da criança ao seu pai.
Facto nº5 – Desde que foi pronunciada essa sentença, nunca foi efectuada a entrega da criança, tendo esta ficado num regime de “clausura” com a mulher do sargento (com medo de ser vista na rua) ao passo que este era preso preventivamente enquanto corria o julgamento pelo crime de desobediência qualificada à sentença do tribunal.
Posto isto, deixo algumas questões: Algum de nós acreditaria numa mulher com fama de prostituta se ela nos dissesse que estava grávida de um filho nosso? Teria sido igualmente traumático para a criança se tivesse sido entregue ao pai há anos atrás, conforme decidiu o tribunal? Há algum de nós que perdoaria os pais adoptivos se soubesse que estes não lhe permitiram ficar com o pai biológico, tendo este manifestado vontade em criar-nos (esta questão foi levantada pelo Prof. Lobo Antunes)? Há alguém que possa com certeza absoluta garantir que a menina foi bem tratada pelos pais adoptivos?
A mim o que mais me confunde é a forma insensata como se olha para este processo: em Portugal, o crime compensa. Primeiro compra-se uma criança a uma mãe por contrato (como se de um imóvel se tratasse), depois esconde-se a criança o mais que se pode (que bem que a criança deve ter sido tratada nestes anos metida num apartamento…) e por último adopta-se a tese do facto consumado: está certo que isto não faz sentido nenhum, que o pai fez tudo o que tinha a fazer, mas a criança já tem uma família e por isso não há nada a fazer.
Ora, parece-me claro que não pode ser assim, que num Estado de Direito as coisas tem regras que não podem ser desrespeitadas sob pena disto ser uma anarquia completa e mais do que isso, injusto para quem age de boa-fé: o pai da criança que pode ser punido por ter seguido os tramites legais; a criança que foi privada de ser criada pelo seu verdadeiro pai.
Termino com este exemplo extremo mas que creio demonstrar o irracionalismo deste caso: Porque é que em relação à mulher que raptou uma bebé na maternidade em Penafiel não foi dado o mesmo tratamento (a “mãe de coração” também a tratou muito bem e tanto quanto se sabe terá muito melhores condições para cuidar da menina que os verdadeiros pais)? Há alguma dúvida de que também essa menina a via como uma verdadeira mãe e que vai sofrer muito com a entrega à legitima familia? E porque não (como sugeria a bisca no post anterior) perguntar a esta menina com quem ela quer viver? Gostaria de saber se as opiniões aqui são diferentes.
Duque de Espadas